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ENTREVISTA- ANNE LAPIERRE E JOSÉ LEOPOLDO VIEIRA

ENTREVISTA- ANNE LAPIERRE E JOSÉ LEOPOLDO VIEIRA

Jornal Nota 10- Maio/2006

Psicomotricidade Relacional

Nota 10- A Psicomotricidade Relacional ainda é uma ciência pouco conhecida?

Anne Lapierre– quando se fala em Psicomotricidade é importante definir de que psicomotricidade se está falando. A psicomotricidade na Europa é um termo que caiu no senso comum. Tornou-se tão genérico que muita coisa acaba sendo feita sem fundamentação teórica e sem formação do profissional. Fazem-se sessões e utilizam-se técnicas totalmente diferentes e, no entanto, tudo é chamado de Psicomotricidade. Alguns métodos de educação psicomotora encaixam-se dentro de uma ótica piagetiana, ou seja, há uma vivência relacional do corpo e uma conceitualização das percepções essencialmente espaço- temporais. O adjetivo relacional, agregado ao termo psicomotricidade, marca a nossa especificidade. Ele indica que nosso trabalho é totalmente centrado sobre a relação, para sermos mais precisos, sobre o conteúdo simbólico da relação. O que privilegiamos dentro de nossas práticas, não são as áreas corticais e sim, a racional e intelectual do psiquismo, mas sim a parte afetivo-emocional ligada ao princípio do prazer. Valorizamos a emergência dos sentimentos positivos ou negativos que, no passado, estruturam atualmente a personalidade da criança. Para isso, iniciamos nosso trabalho pela motricidade da criança, que é manifestada livremente, pois criança experimenta o setting da Psicomotricidade Relacional como um espaço de brincadeiras. Na ótica da Psicomotricidade Relacional os termos pedagogia e reeducação reduzem a criança á sua dimensão intelectual e o que constamos no dia-a-dia é que a grande maioria das dificuldades escolares constitui somente sintomas que expressam dificuldades psico-afetivas muito mais profundas. Quando falamos que a motricidade se expressa livremente, num espaço onde quase tudo é permitido, não estamos dizendo que a criança faz tudo o que quer. Existem limites que devem ser respeitados pela criança durante os jogos simbólicos. O limite é essencial, uma vez que é estruturado. Não é permitido, por exemplo, machucar os outros, sair da sala sem permissão, deixar os sapatos desarrumados, estragar o material, etc.

Nota 10- De que maneira a Psicomotricidade Relacional pode ser disseminada de uma forma mais abrangente?

José Leopoldo Vieira- A forma mais eficaz para sua disseminação é incluí-la em programas governamentais nas esferas federais, estaduais e municipais, para que o seu acesso seja garantido aos professores e alunos de toda a rede pública de ensino. Esse quadro começa a se configurar na rede particular de ensino, onde a preocupação com a saúde psico-afetiva da criança é necessária á construção saudável de sua personalidade. Surge como uma resposta as demandas de vários dirigentes que realmente estão preocupados com a formação mais equilibrada de futuros cidadãos.

Nota 10- A Psicomotricidade Relacional funciona melhor com crianças, adolescentes ou adultos?

Anne Lapierre– Aqui temos três perguntas que requerem respostas diferentes: Em relação ás crianças, acreditamos que o mais importante é a profilaxia. Quanto mais cedo tiverem acesso a esta metodologia mais rápido e eficaz será o resultado. Temos exemplos de crianças que em pouco tempo puderam modificar um comportamento inadequado ou reestruturar uma personalidade comprometida. Já no adolescente ou adulto uma dificuldade ou patologia já pode estar sedimentada, o que requer maior tempo de investimento. Isto seria mais difícil. Porém, tudo vai depender da estrutura da personalidade da criança, do adolescente ou do adulto.

Nota 10- A França também enfrenta problemas parecidos de violência nas escolas- como desrespeito aos professores- como se vê em algumas regiões do Brasil?

Anne Lapierre- A violência nas escolas é um problema mundial, afeta tanto o Brasil como a França, esta é uma pergunta que professores do Brasil, sempre me fazem. Quero dizer que, não só na França, mas em toda a Europa a violência dos alunos ultrapassa o desrespeito a ponto de chegar a uma agressão física. Recentemente os jornais mostraram um grande número de professores que depois de uma agressão física tiveram que ir ao hospital, o que levou a direção de algumas escolas a fazerem revistas nos alunos na entrada da instituição, uma forma de impedir a entrada de armas e drogas no ambiente escolar.

Nota 10- Hoje há muita violência nas escolas brasileiras. De que forma a Psicomotricidade Relacional pode ajudar a mudar este quadro?

José Leopoldo Vieira- Nas escolas temos feito atendimento a mais de 10 mil crianças e o resultado que temos tido por meio dos questionários respondidos pelos professores e as observações diretas em relação às mudanças das crianças nos deixa a vontade para afirmar que esta é uma ferramenta de transformação social, além de ajudar a criança nos aspectos cognitivos, intelectuais e no seu desenvolvimento como um todo.

Nota 10- Quais os resultados práticos que se vê em ambientes considerados violentos?

José Leopoldo Vieira- Em Psicomotricidade Relacional ajudamos a mudar este quadro desde o momento que contatamos com os participantes. A escola representa para alguns jovens a extensão da família, onde as tensões existem e são sedimentadas pela falta de limite e a suposta liberdade, sobretudo por estarem fora do olhar da lei. Cristalizando assim cada vez mais o desrespeito á autoridade do professor e conseqüentemente, resultando em conflitos que o adolescente não consegue controlar. Isto é um fenômeno essencialmente masculino, com a falta de estrutura familiar, as condições, sócio econômicas e a organização inadequada das leis dos estabelecimentos de ensino. E mais uma vez, afirmamos que é necessário oferecer um espaço de liberdade em que a criança ou adolescente possa mostrar de forma inteira, com seu corpo, suas emoções, suas fantasias, sua inteligência em formação. Este espaço é, onde pode ser, expressados, seus conflitos, seus medos, sua ambivalência, seus sentimentos, tudo dentro da estrutura narrativa do jogo e nas relações que se estabelecem com outras crianças e com o adulto. Espaço de desenvolvimento pessoal e interpessoal, de estruturação da criança como SER de investimento, não em dificuldades e sintomas, mas nas suas possibilidades de crescimento.

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